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23 de Abril de 2024

Advogados abusam do deletério costume de 'despachar' com o juiz

Publicado por Abrahão Nascimento
há 4 anos

Por Abrahão Nascimento

Instagram: @abrahao_nsc

É prática comum e incentivada por advogados, especialmente os mais antigos, o famigerado "despacho" com o juiz, também conhecido informalmente como "embargos auriculares".

Para tanto, justifica-se na prerrogativa do inciso VIII do artigo do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), segundo o qual é direito do advogado "dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição".

Contudo, a meu ver, o que se mostra é verdadeiro abuso do referido direito pelos advogados, pois mostra-se, primeiramente, como artifício que pretende garantir vantagem em detrimento do colega que defende a parte oposta, além de ir de encontro a diversos princípios constitucionais e infralegais estatuídos no código de processo civil.

Isso porque o ato de "despachar" com o juiz tem como intuito direcionar o convencimento do juiz em favor da causa defendida pelo advogado em questão.

Ocorre que o processo civil é formal e deve ser, como regra, instruído por atos também formais, preferencialmente escritos, exceto aqueles que decorrem de sessões de julgamento e audiências. Mas mesmo esses serão transformados em atas escritas ou juntados aos autos por meios digitais (áudio e vídeo).

Aqui já se mostra nítida quebra da paridade das partes, da formalidade dos atos e da publicidade, visto que as "conversas" entre advogado e magistrado não são de qualquer maneira formalizadas ou certificadas nos autos.

Sobre a igualdade de tratamento entre as partes, assim dispõe o Código de Processo Civil:

"Artigo 7º — É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório".

Observe que, ao ter diretamente com o juiz, o advogado possui uma nova chance de manifestação e de direcionar o convencimento do magistrado que nem sempre será garantida à outra parte.

Nesse prisma, para haver o equilíbrio da relação, no mínimo toda e qualquer "visita" ao juiz deveria ser certificada nos autos, reduzida a termo e intimada a outra parte para exercer a mesma prerrogativa com fundamento na interpretação finalística do artigo 10 do CPC.

Nem se diga também que não se trata de levar novas teses ao conhecimento do juiz, mas apenas tem-se o intuito de aclarar determinadas situações do processo.

Convenhamos, o advogado que não sabe se expressar pela forma escrita deve procurar outro ofício ou arcar com o ônus de sua incapacidade de se fazer entender dessa maneira.

Ademais, o processo civil já prevê os momentos adequados para a exposição oral perante o julgador.

Outro ponto relevante é a celeridade processual, direito garantido constitucionalmente (artigo 5º, LXXVIII) e no próprio artigo do CPC.

Contudo, o dever de celeridade não se atribui tão somente aos magistrados e servidores dos cartórios, mas também depende da atuação dos advogados.

É o que preza o artigo do CPC:

"Artigo 6º — Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

Isso resulta em dizer que não convém ao processo e interesse das partes litigantes que os advogados se dirijam pessoalmente a todo momento ao magistrado.

Aqui não são necessárias grandes explanações. Tratam-se de milhares de processos para cada juiz, nos quais atuam dezenas de milhares de advogados.

Basta imaginar que se 1% dos advogados for "despachar" com o magistrado, fica fácil perceber que este perderá dias de trabalho apenas atendendo aos causídicos.

Por fim, a meu ver, a tal conversa com o juiz também resulta na quebra da boa-fé insculpida no artigo do CPC, em razão de tudo o que foi exposto.

Dirigir-se diretamente ao juiz de forma reservada, a fim de direcionar seu convencimento, e, no fim das contas, é apenas disso que se trata, atenta contra a boa-fé, já que garante vantagem em relação a outra parte.

No atual momento, com a busca da digitalização e celeridade em todos os processos humanos, manter esse tipo de prática antiquada vai de encontro a tudo que se espera das formas de resolução de conflitos.

Não se pretende aqui, de forma alguma, defender o rigorismo formal, mas apenas o formalismo necessário a garantir o pleno exercício dos direitos.

Assim, não se vê cabimento, por exemplo, nas críticas ao costume utilizado por advogado em sustentação oral por videoconferência, como também não se acha digno de aplauso sustentar oralmente de pé, na sala de casa, apenas por apego à tradição.

Fonte: conjur

*Opinião: Adriano Biancolini é advogado no escritório Biancolini D'Ambrosio e Menzel Vieira Advogados.

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8 Comentários

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Os advogados, não são bem visto na hora de despachar com os Juízes, contudo essa é uma prerrogativa da profissão e esse direito é tanto para o advogado do autor, quanto ao advogado do réu.

Não vejo abuso, pois a decisão está nas mãos do juiz, cabe ao mesmo analisar a urgência, a pertinência e a razão. continuar lendo

O Jusbrasil, já teve melhores escritores, um texto que vai contra normas que advogados levaram anos para conquistar algum direito é triste demais!
Me recordo que no tempo que eu e outros escritores, compartilhavam artigos, noticias, teve noticias que alcançaram mais de 1 milhão de visualização. continuar lendo

1. Não é deletério;
2. Não é costume (pode ser um hábito, quando muito);
3. Não são necessariamente "embargos auriculares", pois podem servir de meio idôneo para alertar situações urgentes, por exemplo;
4. Não há ilícito processual em tentar convencer o juiz através de meios lícitos;
5. Não há quebra de paridade processual, pois ambas as partes têm a prerrogativa assegurada de, por meio de seus advogados, conversar com o juiz.

O que se vê no artigo são conclusões repletas de inferências, pois das premissas não se chegam até as conclusões de maneira lógica; e, por fim, se o diálogo chegou ao ponto de ser criminalizado, quem dirá qual patamar e em qual conta tem a advocacia para o nobre colega articulista. continuar lendo

Infelizmente o texto -que se reveste de vasta fundamentação jurídica contrária aos interesses da advocacia e por que não dizer cidadania - exala uma forma de justificar que o advogado tenha que se manifestar por petição para defender a hipótese de que haverá uma afronta ao direito da parte contrária.
Peço vênia para discordar, haja vista que muitos despachos descabidos, petições que sequer são conhecidas, para não elencar outras barbaridades podem e devem ser esclarecidas diretamente com o juiz para que se evite a demora excessiva para a parte que não concorreu.
Entendo que buscar uma aproximação com juiz com o fito de esclarecer pontos, dar maiores informações não é a mesma coisa que prejudicar o direito da parte contrária.
O advogado é essencial à administração da justiça e como tal deve ser tratado e no meu entendimento o exto só veio para defender interesse corporativo, na medida que conheço muitos assessores de juiz e eles me confidenciaram que juiz não gosta de receber advogado e que tal tarefa é deslocada para o assessor.
Mas isto não é problema dos advogados nem de seus constituintes, bastando para isto que as partes envolvidas no processo se tratem de forma ética e respeitosa. continuar lendo

Sera mesmo? Para mim, tanto faz falar com juiz ou seu assessor. Fico deprimida. Envergonhada . continuar lendo

Divergir faz parte do debate jurídico. Penso que há razão na fala do colega e, também, no entendimento do autor do texto. O tema é complexo, pois depende das circunstâncias, usos e costumes do lugar. O direito de despachar com o magistrado é inconteste. Porém, como todo e qualquer direito, pode ser exercido com excessos. Sinceramente, ao menos por aqui, a dificuldade está em encontrar magistrado disponível para atender. continuar lendo